terça-feira, 25 de abril de 2017

O prato de um jovem burguês



O prato de um jovem burguês  

Esse é meu prato.
Sobre sua superfície branca,
quase feia, sem adornos,
estão os restos de minha ceia
sempre simples sobre a banca.

Alguns grãos de arroz, um caroço
de feijão, um tremoço,
um osso descarnado
sobre o prato abandonado
ao fim do almoço,
       fazem os mais asseados 
me acharem um porco.

Ao ver o prato assim de borco,
tentando ocultar
meu lixo e desleixo,
minha mãe, carrancuda,
fala baixo e grosso que o único
animal que não lava
o próprio prato é o burguês.

Com o Manifesto sob o braço,
recolho-me embaraçado
a meu quarto e, deitado
para me refazer do almoço,
fico a clamar
para que as bactérias
façam logo a sua parte,
me fazendo lembrar
de que tudo que é sólido
se desmancha no ar.

Rio, 5 de abril de 2017


Esse poema eu fiz em homenagem ao Pedro, meu filho, que, como quase todos os adolescentes finge desconhecer o caminho para a pia da cozinha. Apesar de eu ficar louca de raiva, gritar grosso - é mentira que falo baixo -, acabo o perdoando e o amo. Amo muito! Como a maioria das mães, sou frouxa e tenho memória: fazia o mesmo com a minha mãe. E tenho que reconhecer que há coisa pior. O ex-marido de uma amiga, já adulto e morando sozinho, colocava toda a louça suja na geladeira, para que ela pudesse esperar, sem feder, a chegada da faxineira, uma vez na semana. Toda vez que lembro disso, fico feliz por ser só um prato no chão.

PS: O detalhe do Manifesto - o Comunista - é verdadeiro. O Pedro, por livre e espontânea vontade, decidiu ler a obra, o que me fez ter mais um argumento contra os pratos sujos, deixados ao pé da cama. "Não é porque sou sua mãe e te amo, que me explorar é bacana. É exploração do mesmo jeito." Não deu de todo certo, mas no dia em que mandei essa, ele, envergonhado, lavou seu prato.