segunda-feira, 26 de maio de 2014

A teia da vida é forjada nó a nó pelo feminino

Assisti a uma palestra do frei Betto que me restituiu a crença na humanidade. Não que ele tenha falado de um mundo bom. Não, pelo contrário. Ele falou de um mundo dominado por valores materiais e exteriores ao indivíduo e sobre como a pós-modernidade está empobrecendo a subjetividade humana. Falou, sobretudo, do sofrimento que isso causa em todos nós. Mas havia esperança em seu discurso e ela estava em sua crença na existência e resistência de valores humanistas e na certeza de que cabe a nós, adultos, o esforço de transmiti-los aos mais novos, sejam nossos filhos ou não. Ele falou de amor, de doação e de altruísmo que fazem os incluídos neste mundo de consumo saírem de seus lugares de conforto e olharem para o outro. Lembrou que poucos estão dispostos a este olhar. Falou de como esta nova subjetividade impacta nossa vida, da dificuldade dos casais de se relacionarem, do esvaziamento dos projetos comuns, da desvalorização da família como espaço de afeto e conforto na aridez deste mundo, que promete prazeres fugazes e a quem não se compromete com o outro. Mas, sobretudo, falou de utopias. De como sonhar alimenta o humano que trazemos em nós. Sonhar com o amor pelo próximo, que pode levar para nossos jovens exemplos de pessoas que lutaram pelos outros. Um ato de amor que, mais uma vez, muito poucos estão dispostos a ter. Não é apenas no coletivo que está amor está sendo negado, disse Betto. Ele é negado todos os dias nas relações pessoais. São poucas as pessoas, hoje, que se dispõem a fazer pelo outro. Um pequeno gesto, como oferecer lugar para um mais velho, ou um grande gesto, como alimentar um projeto a dois, são improváveis neste mundo. Um fazer que me lembrou a beleza do conto A moça tecelãde Marina Colasanti, editado pela Global. Um fazer pelo outro ou pelo coletivo que está ligado à tecedura da vida, um poder, sem dúvida, feminino. Digo feminino e não da mulher por acreditar que, nestes tempos pós-modernos, em que não há lugares definidos, este papel social  pode ser vivido tanto por mulheres, quanto por homens e, até pior, por nenhum deles. O feminino, estou certa, ainda é essencial para a socialização. É ele que alimenta a vida em comum. É a moça tecelã, em seu mundo maravilhoso, proporcionado pelo feminino, que tem o poder de tecer sua própria vida e a de quem está a seu lado. Ela busca em seu tear o dia, a noite, o amor e a felicidade. Busca também um homem para, com ela, fazer a vida. É no confronto com a objetividade do masculino, também possível de ser vivida hoje por homens e mulheres, que a felicidade dura pouco. O homem, assim que percebe o poder mágico do tear da moça, a submete a seu mundo de pragmatismos. Pede luxo e riqueza, a moça o atende. Ela trabalha dia e noite para satisfazer os caprichos de seu homem, para agradá-lo e não recebe nada em troca. A aridez emocional em que vive faz com que, um dia, apoderando-se novamente do feminino, desfaça tudo. Luxo, riquezas e o homem. Ao ver-se diante do nada, volta a tecer a teia da vida. Desta vez, sozinha. Uma decisão difícil, que, quando tomada, a liberta do sofrimento que a negação daquele homem estava lhe impondo. Um conto que usa um mundo maravilhoso para falar dos prejuízos de se esquecer o potencial revolucionário que o feminino tem, diante deste mundo masculino e objetivo. Prejuízo compartilhado por mulheres e homens que, ao abrirem mão da possibilidade de tecer a vida, com a paciência daquelas moças que sabiam que o futuro era forjado a cada nó, perdem o mais bem maravilhoso que a vida pode nos dar, o amor.