segunda-feira, 25 de março de 2013

Para gostar de ler

Lembro bem do primeiro livro que li sozinha. Eu devia ter uns oito anos e decidi ler a trilogia da Condessa de Ségur, que reúne As Férias, As meninas exemplares e Os Desastres de Sofia. Decidi não sei se é bem o verbo. Acho que minha mãe me ofereceu estes livros, da mesma forma que a  mãe dela havia feito cerca de 20 anos antes. Li os livros com o vagar dos recém-alfabetizados e com o compromisso de quem sabia que esperavam que eu os terminasse. O intervalo entre a primeira e a última página acho que foi maior do que um ano, mas eu cheguei lá. Até hoje lembro da minha animação com Sofia, que, apesar de ser a menos exemplar das três meninas, não devia ser nenhuma subversiva a se contar com a origem aristocrática da autora russa. Depois deles, já um pouco mais velha, li Pollyanna e Pollyanna Moça, da americana Eleanor H. Porter, com seu jogo do contente que faz a protagonista se resignar com todas as agruras da vida. Literatura para moças que mais tarde seriam boas esposas. boas mães e boas senhoras da sociedade. Parece velho isso, né? Mas foi  a literatura que me foi apresentada ainda criança. Minha mãe, filha de uma família da aristocracia carioca, que vinha perdendo posições com o aburguesamento do país e da cidade, me educava na virada dos anos 60 para o 70 com valores da elite do início do século. Mas era o raiar dos anos 70 e na minha casa, por razões outras, estes raios de sol também brilhavam. A mulher, dizia meu pai, mais no discurso do que na prática, tinha que ser independente, intelectualizada e livre. Apesar disso, minha educação seguia tradicional, com algumas brechas que me davam novas possibilidades e faziam com que meus pais tivessem certeza de que estavam educando uma mulher moderna. Eu me aproveitava dessas brechas e, sem saber direito a razão, me negava a usar as roupas comportadas, brincava como uma moleca e seguia adiante para uma adolescência mais do que conturbada. Foi a hora de me estranhar com aquele mundo. Esmalte colorido? Nem pensar. Pentear o cabelo? Pra quê? Sandália de salto? Muito desconfortável. Conversa de salão? O que eu falo? Foi então que caiu nas minhas mãos, quando a biblioteca do meu avô foi desmontada, uma coleção de livros do Érico Veríssimo. Eu os havia pedido para meu avó, talvez por eles serem os mais atraentes das estantes repletas de títulos em francês e coleções de autores clássicos que, naqueles dias, me lembravam a chatice dos livros adotados pela escola. A escola que frequentei é um capítulo a parte. O que havia de mais interessante nela era a coleção Para gostar de ler, da Editora Ática, que reunia deliciosas crônicas de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade. Eu adorava as histórias, que me repunham o ar na travessia de narrativas rococós de José de Alencar e companhia, adotadas nas aulas de Português. Quase 40 anos depois, fico feliz em ver o Pedro lendo, na escola, estas crônicas e encontrando encanto nelas. Mas voltando à estante do meu avô, Érico Veríssimo me deu, naqueles dias de sofrimento de adolescente, liga com o mundo. Comecei por Clarissa e li num só fôlego os seis romances em que o autor narra as aventuras e desventuras de um grupo de personagens que se cruzam nestas narrativas. Mas foi em Vasco, o primo por quem Clarissa se apaixona, que encontrei alguém que falasse a minha língua. Vasco, um gaúcho comunista, que vai lutar como voluntário na Guerra Civil Espanhola, animou minha imaginação romântica naqueles dias dos primeiros namorados. Eu queria um Vasco na minha vida, assim como Clarissa o tinha. O universo humanista de Veríssimo me mostrou um mundo maior e mais arriscado do que o das Meninas Exemplares, mas muito mais interessante. Cresci junto com Veríssimo, explorando as muitas possibilidades de sua literatura e de seus personagens. Cresci longe dos infanto-juvenis que encheram as livrarias naqueles anos 70 e formaram tantas gerações mais novas do que a minha, com uma literatura que falava a língua das crianças e dos adolescentes. Eu não tive isso, mas encontrei a minha língua em gente mais velha do que eu, como Vasco. Uma língua universal que não é indiferente a nada do que é humano, a literatura.

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

Meu filho adora as histórias antes de dormir, mas o que ele mais gosta é de brincar com o seu cão. Ele ama o seu cão, na semana passada, construímos juntos uma nova casinha para cachorro. Agora, o cão e meu filho sao muito felizes.