Nos últimos tempos, aqui em casa, só lemos mitologia. O Antônio é um apaixonado
por histórias e seres fantásticos e só quer ouvir narrativas que se fundem no
lado de lá da razão e possam lhe oferecer novas possibilidades de entender o
mundo que o cerca. Assim, voando sobre oceanos em asas feitas de penas e cera,
puxando espadas mágicas encravadas em pedras, enfrentando monstros terríveis e
ouvindo no som dos pássaros os mistérios da criação vamos tecendo uma grande
rede de narrativas, que, noite após noite, nos mantém ligados, até o dia em que
ele descobrirá outros caminhos para além dos livros que lemos juntos. Caminhos
que o Pedro, com 14 anos, já começa a vislumbrar e me fazer antever, pela
primeira vez, nestes anos de maternidade, o momento da separação. Nunca pensei
que diria isso, certa de que estava preparada para o futuro dos meus filhos,
mas percebo agora que a adolescência não é um tempo de incertezas apenas para
quem o vive, é também para quem o acompanha, como as mães e os pais. O Pedro já
está comprido o suficiente para pegar sem a minha ajuda seus sapatos na prateleira
mais alta do armário e começa a escrever as primeiras linhas de sua narrativa,
onde eu e seu pai não seremos mais protagonistas, mas tenho, mais que certeza,
esperança de que estaremos sempre nesta história. Por enquanto, vivemos naquela
gangorra que nos coloca ora diante de um jovem e ora frente a uma criança. No
meio do caminho está a vontade de ficar mais um pouquinho no ninho, de ser
servido como menino, de brincar com o irmão e de ouvir mais uma história, mesmo
que finja não estar interessado, com aquele olhar enviesado com que tem mirado O
Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, de Rosalind Kervin, trazido pelo Antônio da escola. O livro
faz parte da coleção Clássicos Infantis, que se destaca no mercado de adaptações pela qualidade do
texto e o capricho das edições ilustradas, com quadros explicativos sobre
o contexto histórico das narrativas e suas influências no imaginário ocidental.
Vale dizer que o interesse do Pedro é justificado. A história, nascida na
mitologia do povo Celta,
que dominou a Grã-Bretanha até a hegemonia do cristianismo na Europa, é mesmo
fascinante e até hoje desafia historiadores e arqueólogos a provar sua
existência. Ao que tido indica Artur e sua corte são apenas
mitologia que buscava explicar a vida em um mundo encantado, onde a vida real se realizava em um
universo dominado por magos e feiticeiras. É o poder da magia de Merlin e de
Morgana que agita a história de Artur, da rainha Guinevere e de seus cavaleiros,
que distribuídos, em posição de igualdade na Távola Redonda, defendem o reino
de Camelot. Ao longo dos séculos a história foi se misturando ao imaginário
cristão e Artur e seus súditos passaram, assim, nas versões
da Idade Média, a defender símbolos da Igreja Católica Romana, como a cruz, e a
ceder os seus, como santo graal, ao cristianismo. Este sincretismo de culturas tão diferentes produziu,
com certeza, uma das mais fascinantes histórias de todos os tempos. No reino de
Camelot não falta nada. Tem poder, ambição, amor e traição e, acima de tudo,
magia. Com tantos atrativos O Rei Artur tem sido um sucesso entre os meninos e me feito aprender
muito deste mito, que, com certeza, é um dos mais belos romances de capa e
espada que já existiu. A magia de Merlin e Morgana, para o bem ou para o mal,
tem me ajudado muito a tecer o manto com que acolho meus filhos todas as
noites. Que assim seja até o dia que eles quiserem.