quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ana Paz é uma protagonista sem protagonismo

Não é fácil falar de Fazendo Ana Paz, de Lygia Bojunga, porque não é fácil falar de uma narrativa densa de emoção como a da escritora gaúcha. Ao sentar-me no computador para iniciar esta resenha, tive que vencer primeiro a tentação de centrar meu texto no depoimento de como a novela de Lygia me tocou para então enfrentar o desafio de escrever sobre a narrativa da autora e dos recursos que ela usou para se comunicar com o leitor.
A Ana Paz não é uma protagonista comum. Lygia não centra seus esforços em criar uma trama para manter o interesse sobre Ana por toda a narrativa. Ela é o instrumento usado por Lygia para falar de outro protagonista: o processo de criação de um personagem. Este sim consome todos os esforços da autora. Ana Paz é uma personagem incompleta, sem passado claro e em busca de um futuro incerto. Mas é no diálogo com ela que Lygia fala de como seus personagens foram tomando corpo.
Ana Paz, destaca logo de início a autora, faz parte de uma estirpe de personagens que foge à regra de sua galeria de tipos que, segundo a própria, sempre hesitam em vir à tona. Ela, assim como Raquel, de A Bolsa Amarela, “chegou sem a mais leve hesitação e foi dizendo: ‘Eu me chamo Ana Paz; eu tenho oito anos; eu acho o meu nome bonito’.” Mas engana-se quem pensa que a desenvoltura da personagem garantiu tranquilidade à autora.
A pressa de Ana Paz em se apresentar traduziu-se em um turbilhão de emoções em que Lygia vê-se enredada em todo o livro. A angústia gerada pelo embate autora/ personagem é o fio condutor de toda a narrativa de Lygia na novela. Ana Paz não se importa com os questionamentos de sua criadora sobre a pertinência de sua personagem e obra. Ela quer existir, ela quer ganhar corpo com a publicação da obra.
Lygia hesita. E hesita não por causa de Ana Paz. Seu problema é com o pai da protagonista que, assim como os outros personagens da autora, hesita em existir. Lygia vai e volta na narrativa em busca de um sentido para um pai perseguido pela polícia que pede a filha que não se esqueça de uma carranca. Que pai é esse, de que ele foge, o que esta carranca simboliza na relação entre pai e filha? Sem estas respostas, Lygia não vê sentido para sua obra e para sua personagem, que, assim, fica incompleta.
Mas Ana Paz, convicta de sua existência, mesmo que seu passado não esteja claro, quer viver, quer ganhar as páginas, quer ganhar autonomia. Lygia resiste até que, cansada de brigar com sua personagem, a liberta de sua crítica e transforma Fazendo Ana Paz em uma obra sobre o processo de criação. Não à toa a autora encerra o livro com Pra Você que me Lê, em que fala de como garimpa em seu passado e em sua memória fatos que, em sua narrativa, ganham novas cores e emoções para dar vida a quem sustenta sua obra: seus personagens.
PS: Este texto foge do tom impressionista das outras postagens por ser uma resenha que fiz para o Grupo Letra Falante, cordenado pela professora Ninfa Parreiras, na Estação das Letras. O grupo está lendo a obra de Lygia Bojunga e, em breve, todas as resenhas dos livros de Lygia estarão publicadas no site Dobras da Leitura, que tem uma seção especial para o Letra Falante.

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